(Por Haroldo Ceravolo Sereza, do UOL Notícias)
Vinte e um anos após a sua publicação, é possível dizer que os mecanismos criados pela Constituição brasileira para reduzir as desigualdades regionais não resultaram em mudanças significativas no perfil do desenvolvimento das áreas que tradicionalmente são usadas para organizar o território.
O problema, no entanto, foi decorrente menos do texto da Constituição em si do que da conjuntura que se seguiu a ela, na avaliação de Bruno Oliveira Cruz, diretor-adjunto da Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e co-autor do texto "A CF/88 e as Desigualdades Regionais", publicado no volume 2 do livro A Constituição Brasileira de 1988 Revisitada (Ipea, 2009).
"Na sequência da Constituição, especialmente no fim da década de 1980 e durante toda a década de 1990, esse princípio foi perdido. Havia uma identificação da ideia de planejamento com a de intervenção na economia. Agora, as discussões em torno do pré-sal e do partilhamento dos royalties do petróleo mostra que há uma oportunidade para rediscutir o federalismo no país", afirma Cruz.
O desafio agora, para ele, é "pensar que União, Estados e municípios possam atuar de forma mais cooperativa". Algumas dessas discussões estão sendo feitas nos projetos de reforma tributária, por exemplo. Outras estão em sendo feitas em torno da organização política e territorial das regiões metropolitanas, mas faltam ainda definições que permitam implantar o que prevê a Constituição.
O artigo 3º da Constituição afirma que é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". O tema é retomado com mais detalhes no artigo 43, que determina que a União, por meio de lei complementar, determinará "a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes". Também há o artigo 165, que trata das leis que devem ser propostas pelo Executivo, e ainda o artigo 170, sobre a ordem econômica, que deve ter entre seus princípios o fim de reduzir as desigualdades regionais.
O texto assinado por Cruz, por Carlos Wagner de Albuquerque Oliveira e por mais quatro pesquisadores, no entanto, constata que as principais regiões do Brasil seguiram, com poucas exceções, o movimento geral da economia depois da promulgação da Constituição de 1988. Quando ela cresceu, as regiões todas - Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul - também cresceram; quando a economia nacional entrou em recessão, isso também aconteceu de um modo geral com as economias regionais.
Entre 2001 e 2005, no entanto, há uma mudança significativa nessa tendência. A região Centro-Oeste teve um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) per capita de 8,67%, contra 3,8% e 3,9% das regiões Norte e Nordeste, respectivamente, e de 3,5% do Sudeste.
O movimento no Norte e Nordeste indicaria uma leve redução das desigualdades em relação ao Sudeste, enquanto ele seria mais significativo no Centro-Oeste. Mas essa mudança é mais decorrente, avalia Cruz, da dinâmica da economia e dos avanços tecnológicos na agricultura e no "domínio do cerrado", promovido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), do que dos mecanismos constitucionais.
Por outro lado, o texto constitucional manteve presente na principal lei do país a ideia do planejamento como um instrumento capaz de reduzir as diferenças entre áreas mais ricas e as pobres do país - com a percepção de que algumas dessas regiões mais pobres encontram-se encravadas dentro de Estados mais ricos da União, como é o caso do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo.
O artigo "A Ordem Econômica no Espaço", de Gilberto Bercovici, que integra o mesmo livro do Ipea, argumenta que os constituintes tentaram "recuperar o planejamento regional e a preocupação com o desenvolvimento nacional equilibrado", um projeto que constava da agenda política anterior a 1964 e que foi abandonada pelo regime militar.
"No entanto, a política prevista no texto constitucional não teve êxito, graças à falta de regulamentação e à crise econômica", diz Bercovici, que elenca a progressiva desmontagem dos órgãos de desenvolvimento regional. Em 1990, foram extintas a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste) e a Sudesul (Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul). Em 2001, foi a vez da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste).
Esse processo só seria revertido em 2007, com a recriação, por meio de lei complementar, da Sudam e da Sudene. "Infelizmente", escreve Bercovici, "apesar do avanço da recriação da Sudene e da Sudam, a possibilidade de um efetivo desenvolvimento equilibrado, com o combate às desigualdades regionais, interrompida com o regime militar, ainda continua praticamente inviabilizada".
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