Retrocesso profissional e político - prof. Luiz Gonzaga Motta
A quem interessa o fim da exigência do diploma de jornalista? Os méritos do diploma para o jornalismo e para a sociedade são tantos, e tão óbvios, que é difícil imaginar razões coerentes para acabar com ele.
O argumento contra a reserva de mercado não cabe. A legislação em vigor não é exclusiva. Quem não é formado em jornalismo, como médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais, pode escrever regularmente artigos sem nenhuma restrição. Pode manter colunas, apresentar um programa de TV, debater neste programa, criar blogs, etc. A legislação não é restritiva. É só conferir a diversidade de conteúdos que existe hoje na mídia brasileira.
Todas as outras profissões liberais exigem formação específica. Por que o jornalismo seria exceção?
A liberdade de expressão também não é argumento contra o diploma. Basta abrir qualquer jornal ou revista, ligar a TV em um canal qualquer ou acessar os portais da internet para ler ou assistir à livre expressão de ambientalistas, ruralistas, religiosos, agnósticos, militantes radicais ou conservadores. Tem de tudo. Por conta da legislação atual, ninguém deixa de se expressar livremente. O mercado de idéias nunca foi tão livre, fértil e plural neste país. A exigência do diploma nada tem a ver com restrição à liberdade de expressão, portanto.
Se as escolas proliferaram e algumas delas têm qualidade suspeita para formar bons jornalistas, colocando no mercado profissionais desqualificados, o remédio não é acabar com o diploma. É preciso monitorar os cursos, aprimorá-los, avaliá-los periodicamente e fechá-los em caso de reincidência. Mas, a exigência do diploma nada tem a ver com a má qualidade na formação de muitos jornalistas. Cursos de direito foram recentemente mal avaliados, mas ninguém sugeriu acabar com exigência do diploma de advogado por causa disso. A má qualidade não decorre da exigência do diploma. Não vale enfiar a cabeça no buraco, como um avestruz.
Aparentemente, só empresas provincianas ou pouco profissionais têm interesse no fim do diploma. Isso daria a elas liberdade para empregar parentes, afilhados e compadres, sem formação. Talvez o fim do diploma possa ser também útil a algumas empresas de fachada moderna, mas interessadas no enfraquecimento da profissão para reduzir salários e manipular as relações empregatícias. Argumento mesquinho e arcaico. Como se fosse justificável hospitais e clínicas contratarem práticos da saúde no lugar dos médicos e dentistas formados para pagar a eles salários menores. Ou, se pudéssemos voltar ao tempo dos rábulas, para substituir os advogados formados.
A profissão de jornalista foi abastecida nos últimos 40 anos pelos cursos universitários, uma conquista da categoria e da sociedade. Nas últimas décadas, o jornalismo brasileiro ganhou qualidade com a existência das escolas e a exigência do diploma. A maioria dos grandes nomes do jornalismo brasileiro, hoje, é formada em faculdade. Não é preciso enumerá-los.
O jornalismo passa hoje por uma mudança radical. O jornalista é cada vez menos um técnico e cada vez mais um analista político e social. Com desenvolvimento da tecnologia multimídia e o avanço da democracia no País, o jornalismo tornou-se o espaço público por excelência. O espaço de mediação democrática dos conflitos. As fontes tornaram-se atores políticos e sociais ativos. Profissionais capazes de interpretar os conflitos e lidar com a multiplicidade de fontes são formados pelas universidades, não pelas relações clientelistas.
Luiz Gonzaga Motta é jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, responsável pela Secretaria de Comunicação da instituição e editor da revista de divulgação científica Darcy, e este artigo foi publicado no jornal O Popular, edição de 20 de junho de 2009. Optei por divulgar este artigo por "faltarem as palavras" nessa hora, como bem disse uma colega dos tempos de faculdade.
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